Redes sociais e políticas LGBTI+: mobilizações na era digital
Ao abrir o canal shorts, aba de vídeos curtos do YouTube, três vídeos seguidos aparecem com recortes de falas da deputada federal Erika Hilton, uma das parlamentares trans e do campo da esquerda com alto engajamento nas redes sociais. São milhares de visualizações e comentários em relação a uma entrevista dada ao jornalista Reinaldo Azevedo. No Twitter, os cortes são acompanhados com memes em comparação às cantoras norte-americanas Solange e Beyoncé Knowles, ícones da música negra e com forte público LGBTQIA+.
O engajamento orgânico da deputada Erika nas redes mostra como a política institucional, em um cenário mais recente, vem sendo construída. Antes, um terreno fértil para políticos conservadores, que conseguiram mobilizar monetariamente com sucesso eleições pelo mundo - a exemplo de Donald Trump, em 2016, e Bolsonaro, em 2018 -, as redes sociais influenciaram no voto de 45% da população em 2018, segundo o DataSenado.
Embora tenha sido realizada em 2019, a Pesquisa Redes Sociais, Notícias Falsas e Privacidade na Internet, desenvolvida em parceria com ouvidorias da Câmara e Senado, aponta que quase metade das pessoas entrevistadas (45%) afirmaram ter decidido o voto levando em consideração informações vistas em alguma plataforma social. Além disso, 80% das respostas afirmam que as redes sociais têm grande influência na formação de opinião das pessoas.
Embora tenhamos como base o Marco Regulatório da Internet, de 2014, ainda não há uma legislação que garanta, por exemplo, uma menor circulação de fake news ou a punição das empresas responsáveis pelas redes sociais quanto aos conteúdos de desinformação.
Para Victor Barbosa, doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, há duas visões sobre a relação entre as redes sociais e a construção política. "Eu consigo enxergar uma horizontalidade com o eleitorado, você não só fideliza as pessoas que votaram em você, como também pode se comunicar de maneira mais simples e rápida. E o outro viés é que as redes servem como uma espécie de barreira contra políticas desfavoráveis às pessoas LGBTI+", explica.
"É notável que setores políticos conservadores no Brasil tentam impedir que iniciativas políticas ou leis favoráveis às pessoas LGBTI+ aconteçam no legislativo. Eles não só têm impedido o avanço dessas políticas, mas também estão propondo leis LGBTI+fóbicas, que tentam cercear os direitos das pessoas LGBTI+. Então, podemos observar que, a partir do ambiente digital, conseguimos resistir a esses tipos de iniciativas conservadoras, complementa Victor, afirmando que as redes sociais têm ajudado a mobilizar contra-narrativas às ações LGBTI+fóbicas.
Mobilizar em rede
É nesse sentido que a All Out, organização global de defesa dos direitos LGBTI+, tem desenvolvido campanhas no ambiente digital, sobretudo contra iniciativas que tentam inviabilizar a vida das pessoas LGBTI+. "Nosso trabalho no dia a dia é de entender o que está sendo feito na base. Entendo a base como essencial de qualquer área. A galera que está fazendo o principal. Tentamos articular com colegas de diversos grupos e mobilizar a comunidade da All Out. A gente tem essa ideia de usar o abaixo-assinado, não só para pressionar politicamente, como também engajar as pessoas sobre aquele determinado tema", conta Ana Andrade, Gerente Sênior de Campanhas da organização.
Para ela, o Brasil tem uma grande facilidade em compreender a importância da Internet na vida das pessoas. "Na minha experiência, especificamente, trabalho com México, Brasil e Colômbia. A principal diferença é o tamanho do país. A gente, aqui no Brasil, tem um envolvimento muito grande com a internet. Isso impacta, porque é muita gente, porque quando comparamos com outros países do mundo nossa população é muito grande".
"Aqui no Brasil a gente tem uma facilidade grande em explicar para as pessoas, porque a Internet é importante e como ela ajuda. Na Internet, as pessoas compreendem que as coisas têm repercussão", complementa.
As possibilidades de engajamento nem sempre são direcionadas às pessoas LGBTI+. A organização faz uso da estratégia de conseguir apoio de outras pessoas aliadas às lutas pela diversidade sexual e de gênero. "Na All Out, temos como público pessoas LGBTI+, mas principalmente pessoas que são aliadas. E que podemos mandar uma mensagem do tipo 'precisamos da sua ajuda para garantir os direitos LGBTI+', enquanto elas são bombardeadas por outros conteúdos que miram no sentido contrário. Esse público, muitas vezes, não tem o posicionamento decidido, mas estamos sempre olhando para elas engajem nas nossas campanhas", explica Ana Andrade.