novembro 2022
Instituto Matizes

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LGBTI+: entenda o desmonte nas políticas no governo Bolsonaro

Bolsonaro desmontou as políticas LGBTI+ em 20 pontos

O que foi desmontado nas políticas LGBTI+ no Brasil nos últimos anos? Em meio a uma escalada de decisões que afetaram os direitos humanos no governo Bolsonaro, nós, do Instituto Matizes, elencamos o desmonte das políticas LGBTI+ nos últimos anos em dois sentidos. O primeiro deles ocorreu a partir da desconstituição dos direitos e garantias que haviam sido conquistados. Já o segundo se deu por meio da construção de políticas anti-LGBT que não assumem necessariamente esse nome e podem ser identificadas no campo da defesa da família, das escolas, dos esportes, da saúde.

Portanto, buscamos elencar as principais prioridades de trabalho que podem colaborar com o  próximo governo Lula para a população LGBTI+ - identificando o que deve ser prioritariamente revertido e/ou revogado para orientar a reconstrução e proposição de novas políticas comprometidas com a promoção da dignidade dessa população. Os pontos abaixo foram elencados pelo Instituto Matizes para o Grupo de Trabalho de Direitos Humanos do Gabinete de Transição do Governo Lula, em reunião realizada para discutir a proteção dos direitos humanos a pessoas LGBTI+ no próximo governo.

Os 20  direitos e garantias lgbti+ que precisam ser reconstituídos

  1. Necessidade de revogação do Decreto 10.346, de 11 de maio de 2020

Ainda no governo Michel Temer, em 2018, a presidência da República publicou um decreto convocando a realização da 4a Conferência Nacional LGBT. Em 2020, contudo, o então presidente Bolsonaro publicou outro decreto, revogando a convocação anterior, assim descontinuando a realização das conferências nacionais nessa área e diminuindo as possibilidades de expressão de demandas de pessoas e ativistas LGBTI+ para o Governo Federal.

  1. Reformulação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação

Em 2019, o governo federal determinou a extinção de uma série de conselhos de políticas públicas vinculados a diversas áreas no governo federal, dentre os quais o CNCD/LGBT. Meses depois, o STF (Supremo Tribunal Federal) limitou o alcance do decreto, afirmando que ele não poderia extinguir conselhos mencionados em lei. O CNCD foi então recriado, contudo em um formato distinto. Seu ato de criação não mencionou explicitamente a população LGBTI+ como alvo de sua atuação e diminuiu o número de representantes da sociedade civil para três, fragilizando a capacidade de acompanhamento das ações do governo federal na área por organizações da sociedade civil.

  1. Reinserção do gênero e da sexualidade na ordem de proteção de direitos humanos

Nos últimos anos, a administração pública federal passou a reorientar suas políticas de direitos humanos. A compreensão de que o gênero e a sexualidade fazem parte da ordem de proteção dos direitos humanos foi deixada de lado mais recentemente. Isso fez com que o estado brasileiro optasse por excluir nos últimos anos todas as referências a gênero em documentos e manifestações oficiais. 

  1. Necessidade de novo compromisso do Estado brasileiro com as políticas LGBTI+ no campo do planejamento e da gestão

Na última administração federal, a única proposta sobre o tema versava sobre a realização de medidas para valorização da empregabilidade de pessoas trans e travestis. No entanto, não houve qualquer evidência sobre a execução dessa política. Além disso, os relatórios do Observatório da Revisão Periódica Universal apontaram para o não cumprimento por parte do Estado brasileiro das recomendações realizadas em áreas como a defesa dos direitos LGBTI+ e a educação.

  1. Necessidade de reincorporação de dotação orçamentária exclusiva para políticas LGBTI+

Já na LOA (Lei Orçamentária Anual) 2020, a primeira de responsabilidade do governo Bolsonaro, o orçamento do MMFDH deixou de apresentar uma ação específica para políticas LGBTI+, tendo sido diluídas as ações específicas dentro de áreas genéricas de “direitos humanos”, sem pautar questões LGBTI+.

  1. Necessidade de recomposição de órgão com atribuições similares ao extinto Departamento de Promoção dos Direitos de LGBT

Em dezembro de 2021, o DPLGBT (Departamento de Promoção dos Direitos de LGBT) foi extinto ao ser fundido a outros e dar origem ao Departamento de Proteção de Direitos de Minorias Sociais e Populações em Situações de Risco no último governo. O novo órgão inclui em suas prerrogativas o desenvolvimento de políticas para LGBTI+, mas com atenções divididas com outras áreas de políticas públicas. Assim, o decreto (n. 10.883, de 6 de dezembro de 2021) publicado no final de 2021 deu fim à existência de um órgão exclusivamente dedicado a políticas para LGBTI+ no governo federal.

  1. Retomada do desenvolvimento de políticas e ações voltadas para a educação sexual e de gênero e educação em direitos humanos

Desde 2018, de forma mais acentuada, é notável uma mudança de prioridade do Estado brasileiro que deixou de desenvolver as temáticas de educação sexual e de gênero e educação em direitos humanos, seja nos ministérios de origem (MMFDH e MEC, a priori), seja em esforços interministeriais.

  1. Reconstituição das políticas no campo da educação

Diversas organizações e entidades da sociedade civil denunciaram nos últimos quatro anos uma mudança de posicionamento do Estado brasileiro para as políticas de educação. Essa mudança ocasionou no preterimento da execução do PNE (2014-2024), cujas metas para 2024 seguem, em sua maioria, não cumpridas. No entanto, o último governo optou por destacar agendas que carecem de justificativa para sua pertinência, como abstinência sexual e a educação domiciliar (homeschooling).

  1. Restauração das políticas de HIV/Aids e enfrentamento às ISTs

O Decreto n. 9795, de 17 de maio de 2019 extinguiu o "Departamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), AIDS e Hepatites Virais", transferindo-o para um setor mais amplo, chamado de “Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis”.

  1. Dificuldade do acesso à Profilaxia Pré e Pós-Exposição ao HIV/Aids (PrEP)

Um Ofício do Ministério da Saúde n. 1023/2022/SVS/MS, de 15 de julho de 2022, suspendeu a autorização para os farmacêuticos prescreverem a Profilaxia Pré e Pós-Exposição ao HIV/Aids (PrEP e PEP) a pacientes de serviços públicos especializados do Sistema Único de Saúde (SUS), em todo o Brasil. A decisão de excluir farmacêuticos na dispensação PrEP e PEP tende a dificultar o acesso à profilaxia no SUS.

O que foi construído enquanto política Anti-LGBT no governo Bolsonaro e que precisa ser desmontada?

  1. Interrupção das proibições e retomada do esforço para efetivar o ensino de educação sexual e de gênero nas escolas

Nos últimos anos, foi comum a apresentação de projetos como o PL  4893/2020, que tipifica como crime a conduta de quem, nas dependências das escolas da rede municipal, estadual e federal de ensino, adote, divulgue, realize ou organize política de ensino, currículo escolar, disciplina obrigatória, complementar ou facultativa ou ainda atividades culturais que tenham como conteúdo a “ideologia de gênero”.

Um relatório da Human Rights Watch, de maio deste ano, também apontou a aprovação de pelo menos 47 PLs aprovados e tornados lei, e outros 41 em tramitação na Câmara Federal, que proíbem explicitamente o ensino de gênero e sexualidade, e outros que vedam o que é chamado de “doutrinação”. 

  1. Descontinuar o investimento em políticas focadas na família que promovam a privatização de demandas públicas e que operam com noções parentais pouco inclusivas

A criação da Secretaria Nacional da Família, em 2019, resultou na destinação de recursos e políticas para abordagens excludentes com ênfase em um único modelo de família. No formato de família definido pelo último governo,  o cuidado das crianças deve ser exercido pelas mulheres e o papel do homem deve ser o de provedor e responsável financeiro e material pelas famílias.

Conteudo, houve um redirecionamento produzindo a invisibilização de outras formas de constituição de família, como a não inclusão de famílias monoparentais (em que o chefe da família é apenas a mãe ou o pai), bem como famílias homoparentais e multiparentais.

  1. Apurar os resultados e possíveis desvios de finalidade (por ausência de comprovação de pertinência) de verbas públicas destinada a projetos oriundos dos editais do Ministério da Cidadania sobre comunidades terapêuticas e tratamento psiquiátrico

Pelo menos dois grandes editais lançados recentemente pelo governo federal, através do Ministério da Cidadania, um em 2021 e outro em 2022, visavam contratação de entidades sub executoras de atendimentos em prevenção ao uso de drogas, atendimento psiquiátrico, tratamento de dependentes químicos em instituições (clínicas, hospitais e comunidades terapêuticas), cursos de formação nas áreas de dependência química (Edital 02/2021), e, também, a contratação de organização da sociedade civil, para, nos termos do Edital (Chamamento Público 03/2022, Ministério da Cidadania). A aproximação dos atendimentos terapêuticos oferecidos pelo Estado com perspectivas religiosas tem gerado preocupação acerca das metodologias e diretrizes adotadas por esses serviços. 

  1. Revogação do decreto que estabelece os procedimentos e os requisitos para a expedição da Carteira de Identidade e fere a dignidade de pessoas trans e não binárias

Os decretos 10.900/2021 e 10.977/2022 estabelecem as normas e procedimentos para solicitação e emissão do novo documento nacional de identificação para brasileiros, substituindo os modelos anteriores de RG e CPF. A proposta que criou o novo formato de documento, agregando diversas informações e seguindo um modelo de leitura internacional como o já existente em passaportes, deveria servir para facilitar a identificação de pessoas. O novo RG, no entanto, contém um campo obrigatório que tem sido questionado especialmente pelos movimentos sociais de pessoas trans e não binários: “sexo”.

Além deste campo, para informação obrigatória do sexo designado no nascimento, também há o campo “nome social”, logo abaixo do “nome” (que seria o de registro). Compreende-se que inserir o campo “sexo” em documento de identificação é dispensável, e, segundo ativistas comprometidos com a dignidade das pessoas trans e com reduzir os impactos de discriminação e preconceito, alinhar em um documento o nome de registro, o nome social e o sexo se tornam uma exposição da intimidade pessoal que pode gerar intimidação em casos onde não foi realizada a readequação de documentos (nem de gênero), comprometendo também o acesso a serviços básicos, como saúde e educação.

  1. Combate à violência política contra parlamentares e lideranças políticas LGBTI+

Houve um crescimento do número de vozes de políticos e lideranças que estimulam a violência contra pessoas LGBTI+ e seus representantes. Os casos envolvendo ameaças de morte e integridade física de parlamentares e familiares de parlamentares LGBTI+, a exemplo de Erika Hilton, Duda Salambert, Erica Malunguinho, Benny Briolli, dentre outras/os/es, reforça a necessidade de serem estabelecidas medidas adequadas de proteção a representantes políticos LGBTI+ dentro do marco jurídico internacional de proteção a defensores/as de direitos humanos.

  1. Necessidade de medidas para superar a atual ineficácia da criminalização da LGBTI+fobia

Embora o STF tenha julgado em 2019 pela analogia da LGBTI+fobia ao crime de racismo, instituindo assim uma pena condenatória para casos envolvendo LGBTI+fobia, não houve até o momento um resultado significativo da decisão. Relatório do Instituto Matizes realizado em 2021 apontou 34 barreiras que atualmente têm impedido a efetivação da criminalização da LGBTI+fobia no Brasil.

  1.  Restaurar e fortalecer os Canais de denúncia do Governo Federal para maior mensuração e formulação de políticas em direitos humanos e para população LGBTI+

É necessário rever o canal do governo federal para denúncias sobre violações contra os direitos humanos. Nesse sentido, um passo importante é formular um novo Manual de Taxonomia de Direitos Humanos, documento que regula as categorias a serem utilizadas no Disque DH captadas pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos. Igualmente importante é refazer a análise dos dados disponíveis no Painel de dados

da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.

  1.  Revogação de todos os instrumentos normativos legais e infralegais que fazem menção à expressão “ideologia de gênero”

A expressão “ideologia de gênero” tem sido utilizada por grupos e setores da sociedade para descredibilizar os direitos LGBTI+ e para retirar a legitimidade de ações e medidas voltadas ao combate à discriminação LGBTI+fóbica e à valorização da diversidade sexual e de gênero. O uso da expressão não tem embasamento técnico ou científico, sendo oriunda de contextos religiosos cristãos. A inserção da expressão em atos normativos legais ou infralegais indica um ataque direto aos direitos das populações LGBTI+.

  1. Restabelecimento do monitoramento e recolhimento de informações sobre a violência LGBTIfóbica

É necessário restaurar a memória dos primeiros passos das políticas LGBTI+ no âmbito federal, disponibilizando o acervo de todas as ações pró-LGBTI+ de gestões anteriores que produziram materiais de campanha, cartilhas, documentos, relatórios de pesquisas e informações relevantes para a promoção dos direitos LGBTI+ no âmbito da futura Secretaria Nacional LGBT.  

20. PLs que têm sido propostos e que visam questionar decisões judiciais que garantiram direitos LGBTI+

A ausência de garantias legais em dispositivos legislativos, no que tange aos direitos de pessoas LGBTI+, tem feito com que a proteção e promoção desses direitos fiquem no âmbito das esferas do Sistema de Justiça, com decisões e normativas oriundas do STJ, STF e também do Conselho Nacional de Justiça. A lacuna legislativa abre espaço para que projetos de lei sejam apresentados, visando retirar os direitos assegurados juridicamente.

Você identificou algum outro desmonte que não elencamos aqui? Conte para nós! Essa é uma construção coletiva de muitas vozes e toda contribuição é bem vinda!