'Cura gay': entenda como esforços de correção sexual e de gênero impactam na vida de pessoas LGBTI+ no Brasil
Com o intuito de expandir a discussão e movimentar o debate público sobre a temática, o Instituto Matizes e a All Out Brasil divulgaram o relatório "Entre Curas e Terapias: esforços de correção da orientação sexual e identidade de gênero de pessoas LGBTI+ no Brasil", no dia 30 de junho. A pesquisa identificou 26 formatos de "curas" e "terapias" de reversão sexual e de gênero, as quais são praticadas ou iniciadas por lideranças religiosas, pediatras, psicólogos, coaches, filósofos clínicos, professores, diretores de escola, familiares e amigos.
"Identificamos que o problema das 'terapias de conversão' no Brasil é muito maior do que imaginávamos, porque não acontece de forma isolada, de uma vez e em um lugar só. Estes esforços estão pulverizados em diversos setores da sociedade e, geralmente, envolvem muitas pessoas da comunidade da pessoa sobrevivente", aponta Lucas Bulgarelli, Diretor Executivo do Instituto Matizes.
Quem são as pessoas mais vulneráveis?
Um dos principais pontos encontrados pelo estudo foi a vulnerabilidade das pessoas sobreviventes participantes da pesquisa. 52,8% das pessoas entrevistadas declararam que passaram por esforços de "correção" da sexualidade ou identidade de gênero – também conhecidos como "cura gay" ou "terapia de conversão" – quando tinham entre 6 e 17 anos, indicando que a maioria das vítimas é submetida aos processos ainda menores de idade.
A vulnerabilidade de crianças e adolescentes é aumentada por dois motivos principais:
- Ausência de consentimento: Crianças e adolescentes ainda não têm a capacidade legal de consentir com "tratamentos" ou "procedimentos" que possam representar risco ou danos à saúde física e mental.
- Uso de laços afetivos: Em geral, são esforços induzidos e conduzidos por pessoas que representam autoridade, confiança e afeto – como familiares, lideranças religiosas, profissionais de educação, psicologia e medicina.
Como funciona o ciclo de tentativa de cura?
As pessoas sobreviventes dos esforços de correção sexual e de gênero passam por um mesmo caminho nas tentativas de "curas" e "terapias" de reversão. Apesar do relatório encontrar diferentes táticas de correção, foi observado no processo uma coesão entre os depoimentos: primeiro, as pessoas seriam convencidas que o fato de serem LGBTI+ era um erro manifestado como pecado ou doença; em seguida, eram levadas a acreditar que existia uma “cura” ou uma solução para o erro identificado; e por fim, buscavam formas de sair da armadilha a que tinham sido inseridas por pessoas de confiança e convívio.
Quais as consequências que essas "terapias" trazem aos sobreviventes?
Dentre os relatos de sobreviventes, não houve qualquer constatação de que o resultado das "terapias" tenha sido a "correção" almejada pelos procedimentos. Algumas das consequências relatadas foram de tentativas de suicídio, depressão, transtornos alimentares, dificuldade de confiar nas pessoas e instituições, automutilação e ansiedade, por exemplo.
"Muitas organizações internacionais consideram esforços de 'correção' de orientação sexual e identidade de gênero como uma forma de tortura. Essa qualificação também esteve presente em alguns dos relatos de sobreviventes. São práticas muito violentas e que deixam cicatrizes físicas e emocionais permanentes", diz Ana Andrade, Gerente Sênior da All Out na América Latina.
Confira alguns dos tipos de consequências:
- Pensamentos suicidas;
- Tentativa de suicídio;
- Depressão; transtornos alimentares;
- Isolamento social;
- Estresse pós-traumático;
- Sentimento de inutilidade;
- Sensação de inadequação;
- Dificuldade de confiar nas pessoas e instituições;
- Automutilação;
- Ansiedade;
- Perda de autoestima;
- Disfunção sexual.
Qual os impactos que o estudo traz para o país?
A pesquisa tem um impacto significativo para a compreensão desse campo no País. "O estudo é impactante, porque elenca, ao desvelar a multiplicidade de táticas, atores envolvidos que podem passar despercebidos, como psicólogos, coordenadores de grupos de jovens e pediatras. Além disso, demonstra que não está apenas no campo religioso, e, dentro deste, não apenas entre igrejas ou denominações evangélicas, conservadoras, neopentecostais", frisa Anelise Fróes, Coordenadora de Pesquisas do Instituto Matizes
"O estudo pode colaborar com campanhas e articulações políticas que informem às pessoas LGBTI+ sobre as características múltiplas e insidiosas das tentativas de conversão sexual e de gênero. Muitas pessoas, sobretudo adolescentes, podem estar passando por isso, sendo induzidas a acreditar que estão erradas em função de seus desejos e identidades, sofrendo sozinha no seu cotidiano, e precisam de mais informações para poder elaborar melhor sobre as violências às quais estão submetidas. O relatório reúne um conjunto de dados capaz de mostrar para pessoas LGBTI+ que o problema não está localizado nelas", aponta Arthur Fontgaland, Diretor de Operações do Instituto Matizes.
Como baixar o relatório?
A pesquisa "Entre Curas e Terapias: esforços de correção da orientação sexual e identidade de gênero de pessoas LGBTI+ no Brasil" pode ser baixada gratuitamente por qualquer pessoa. O estudo está disponível na biblioteca do site do Instituto Matizes.