Violência e insegurança nas redes: os desafios de pessoas trans na política
No dia 11 de junho deste ano, o cientista político e assessor parlamentar da deputada federal Duda Salabert (PDT), Thiago Coacci, recebeu uma mensagem alertando sobre transfobia contra a deputada. Era o dia da Parada LGBTI+ de São Paulo, uma das maiores do mundo, marcada para ser de celebração e avanços políticos para a população LGBTI+. Porém, o que ocorreu naquela data virou parte da rotina de violências contra a deputada trans. "O tempo todo no meu Whatsapp é gente me mandando print de mensagens transfóbicas contra a Duda", afirma.
O cotidiano de ataques de ódio contra Duda é compartilhado por outras parlamentares trans e travestis. Um levantamento da Folha de S. Paulo, divulgado em 2022, mostrou que 17 das 27 mulheres trans e travestis com mandatos em exercício no país sofreram com algum tipo de violência transfóbica. 11 delas sofreram ameaças como as que Duda Salabert recebe com frequência, desde que foi eleita a vereadora mais votada em Belo Horizonte, em 2020, e, agora, no seu mandato como deputada federal.
A violência dificulta a rotina de trabalho de parlamentares. Esquemas de segurança e os dias dedicados a denúncias de ameaças e outros tipos de violência acabam atrasando as demandas dos mandatos. Segundo a reportagem da Folha, quatro vereadoras tiveram que deixar de ir às Câmaras Municipais por causa de ameaças às vidas delas.
"Mesmo quando não há ameaças diretamente contra a vida da Duda, como no caso do Nikolas (Ferreira), suga muito do nosso trabalho. Parte dele tem sido gasto construindo denúncias para polícia ou Ministério Público. Enquanto gostaríamos de dedicar tempo para construir política pública. Mas aí acabamos levando dois ou três dias para responder à transfobia", explica Thiago.
Quando a violência ocorre no ambiente digital, o monitoramento e a denúncia acabam se tornando mais difíceis. "Não dá para saber exatamente quem usa o servidor criptografado, não dá para saber quem enviou isso com contas fakes no Twitter. E também tem a questão da plataforma, que muitas vezes não quer colaborar. A polícia, muitas vezes, não acessa tais informações. O próprio TSE teve dificuldade com o Telegram", conta, afirmando que grupos de ódio utilizam fotos e perfis de pessoas reais que não sabem que estão sendo utilizadas como mecanismo de violência.
Violência no período eleitoral
Embora a insegurança ocorra durante todo o mandato de pessoas LGBTI+, chegar a um cargo político é violento já no período das eleições. No contexto de campanha política, a violência ocorre em suas mais variadas formas, exigindo estratégias por parte de candidaturas trans e travestis que não necessariamente são aplicadas às demais.
A violência das redes impacta na rotina de campanha. Além do mais, a necessidade de recursos para arcar com carros blindados e com esquemas de segurança, bem como a redução de itinerários são questões prioritárias quando se pensa numa agenda na rua. "No plano de campanha a gente já vai pensando em coisas como 'como é o caminho que ela vai voltar', 'quais os carros que vão na frente e atrás escoltando', 'qual hospital e upa mais próximos'. São coisas que as outras candidaturas não pensam no dia a dia. Isso é desgastante', frisa Thiago Coacci.
Um levantamento do MonitorA, projeto realizado pela parceria do InternetLab, Revista AzMina e Núcleo Jornalismo, detectou 6 mil tuítes possivelmente agressivos a 11 candidaturas trans durante as eleições de 2022. A pesquisa identificou que parte da violência transfóbica atinge diretamente a linguagem: chamavam travestis de "ele", homens trans de "ela" e utilizavam xingamentos como "machos", "viadinhos" ou "aberrações".
"O dado que mais chama a atenção é como era difícil para essas candidaturas, especialmente da Duda (Salabert) e da Erika (Hilton), manter as pautas que elas queriam falar. Esses debates que elas estavam tentando travar eram muito sequestrados por ofensas e por outras pautas que elas não estavam querendo falar. Se elas abordavam o tema saúde, por exemplo, isso claramente era sequestrado por uma extrema direita que vai falar sobre armamento", argumenta Clarice Tavares, Coordenadora da área de Desigualdades e Identidades do InternetLab.
Se por um lado existia uma violência e um sequestro de debates das candidaturas, por outro, pondera Clarice, também criou-se um ambiente de apoio por parte de eleitores e eleitoras das candidaturas. "Eram candidatas muito fortes. Até esse eleitorado que seguia e apoiava elas as defendia dos ataques nas redes sociais".
Resolução de casos
Sobre a resolução desses casos na Justiça Eleitoral, Clarice afirma que é preciso criar um entendimento sobre violência política de gênero nas redes. Os casos na Justiça geralmente estão relacionados ao Lançamento de candidatura feminina fictícia pelo partido; Ausência de repasse dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha a candidaturas femininas; e o Irregularidade na distribuição de cargos à Deputada Federal.
"Analisamos 12 casos que estavam tramitando na Justiça Eleitoral ou no Ministério Público Eleitoral que, não necessariamente, estavam ligados ao que analisamos no MonitorA. Eram relacionados a questões partidárias, como financiamento ou candidaturas laranjas", conta a pesquisadora, apontando para o longo caminho para o enfrentamento institucional às violências políticas de gênero.